sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Nuvem passageira?

Depois de se aproximar dos 72 mil pontos em meados de janeiro, o Ibovespa inverteu a mão e agora tem dificuldades para ultrapassar a barreira dos 65 mil. Essa mudança de humor pegou boa parte do mercado de surpresa, mas não está restrita ao Brasil. As bolsas de emergentes tornaram-se alvo de uma fuga de recursos por conta da combinação da pressão inflacionária nesses mercados com a recuperação dos países desenvolvidos. Para boa parte dos analistas, essa turbulência é temporária e só abre oportunidades de investimento.
Mas vale um alerta. O Brasil vive uma situação peculiar que deixa o cenário ainda mais desafiador: o uso de um modelo inovador para controle de inflação. Há dúvidas em relação à eficácia desse tripé, formado por aperto monetário, medidas macroprudenciais e ajuste fiscal. "A queda da bolsa brasileira acompanha o ritmo global, mas o cenário interno acelerou esse movimento", afirma o presidente da Modal Asset, Alexandre Póvoa. Enquanto o Ibovespa amargava queda de 7,34% no ano até o dia 9, o índice MSCI Emergentes caía 3,57%. Na contramão, o índice da bolsa americana S&P 500 subia 5,03%, com apostas na recuperação da economia.
Na visão do executivo, a inflação é um problema para o país, mas não há descontrole que justifique todo esse mau humor. "Não acho que o governo Dilma vai querer ser o responsável por trazer a inflação de volta", diz. Mas a situação é complexa, pondera Póvoa. Usar o câmbio para amortecer os preços seria arriscado. Também, num mundo de juro zero, puxar a já elevada taxa Selic poderia incorrer em mais fluxo de recursos. Além disso, segundo Póvoa, como boa parte da alta de preços vem de alimentos, não faria sentido elevar fortemente os juros.
Um dos caminhos adotados pelo governo foi recorrer a medidas macroprudenciais, como o aumento de compulsórios, para ajudar no arrefecimento da economia. Só que os efeitos disso ainda são desconhecidos pelo mercado e, por isso, criam incertezas. "O grande nó do Brasil é a questão fiscal", diz. O corte orçamentário de R$ 50 bilhões anunciado nesta semana pelo governo é relevante, afirma Póvoa, mas os artifícios contábeis usados no passado para fazer o superávit primário e a falta de detalhamento do ajuste fiscal deixam o mercado ressabiado. "O governo precisa retomar a credibilidade para que aversão a risco diminua", acredita.
Póvoa não descarta a hipótese de a bolsa brasileira continuar sofrendo com a saída de recursos por mais alguns meses, mas isso só vai criar mais oportunidades. Do ponto de vista dos fundamentos da economia local e de outros emergentes, não há justificativa para o mercado americano voltar a negociar com prêmios elevados em relação aos mercados de países em desenvolvimento. "Tem mais crescimento nos emergentes", argumenta.
A virada não estava nos planos de boa parte dos analistas. "Confesso que este movimento de curto prazo me surpreendeu, não esperava uma supervalorização da bolsa, mas que o comportamento fosse positivo neste início de ano", admite o superintendente executivo de gestão de patrimônio do banco HSBC, Gilberto Poso.
Ele também enxerga essa correção como uma boa janela de oportunidade para entrar na bolsa. Fatores microeconômicos embasam tal expectativa. Segundo o superintendente do HSBC, as empresas devem mostrar este ano um crescimento médio de lucros de 17% sobre os resultados de 2010, que já foram bastante bons dado o acentuado crescimento econômico do Brasil. "As ações ainda não refletem esses números, já que a bolsa em 2010 apenas consolidou a acentuada valorização do ano anterior", diz.
Em termos de múltiplos, o Brasil também leva vantagem quando comparado com os demais países emergentes, uma vez que se mostra ainda mais barato. A relação de preço sobre lucro (P/L, que dá ideia de quantos anos o investidor vai levar para ter de volta o quanto aplicou) projetado para o fim deste ano da Bovespa é de 11,5 vezes, enquanto na China e na África do Sul é de cerca de 12 vezes, e na Índia e no México é de 16 vezes.
O Brasil está barato comparado inclusive com países desenvolvidos, como os EUA, com um P/L de 14 vezes. "Tudo é uma questão de preço, não faz o menor sentido as ações brasileiras serem mais baratas do que as americanas, sendo que o nosso PIB continuará crescendo mais do que o dos EUA", diz o diretor geral da Schroders Brasil, Beto Scretas. Ele lembra que, nos últimos cinco meses, o índice Standard & Poor's (S&P-500) registra uma alta de 35% em relação ao Índice Bovespa. Uma alta dessa magnitude do mercado americano sobre o brasileiro só ocorreu em três outras ocasiões: em 2002, em 2004 e durante a crise de 2008.
Scretas atribui a queda da Bovespa a um movimento irracional de manada. "Os investidores se comportam como macacos que vão juntos de um lado para o outro sem sequer questionar o motivo", ilustra Scretas. O diretor da BlackRock responsável pela gestão dos fundos de ações dedicados à América Latina, William Landers, também vê a reação, especialmente de investidores globais, como exagerada.
O argumento é o mesmo. Segundo Landers, os países desenvolvidos estão em recuperação, mas ainda é algo lento. Já os emergentes, compara o diretor, vão crescer mais, assim como as companhias desse mercados vão entregar resultados melhores. "O Brasil é hoje um dos mercados mais baratos e uma grande oportunidade", continua.
Scretas, da Schroders, critica também os analistas que mandavam comprar as ações quando estavam muito valorizadas e agora que estão a preços bem mais baixos se mostram, no mínimo, céticos. "Cadê aqueles que recomendavam a compra das ações de algumas construtoras quando elas tinham P/L de 15 vezes, sendo que agora o indicador está em cerca de 7 vezes?", questiona o diretor da Schroders.
Na visão de Landers, da BlackRock, os setores de construção, varejo e bancos estão bem atrativos. "As construtoras estão sendo negociadas a um preço que não faz o menor sentido", ressalta. Apesar da inflação e das medidas do governo para diminuir a taxa de crescimento e, assim, a pressão inflacionária, o aumento de renda do brasileiro e o desemprego nos menores níveis da história continuarão puxando a demanda por imóveis, exemplifica. "O governo está levando a sério o desafio de controlar a inflação, o ajuste vai ser mais apertado, mas essas melhorias no Brasil não vão desaparecer", afirma.
Scretas, da Schroders, está convicto de que este movimento de queda das ações brasileiras abre uma excelente oportunidade de ganhos para aqueles investidores que tiveram sangue-frio para entrar na bolsa agora, abstraindo a volatilidade que deve continuar no curto prazo.
Para Poso, do HSBC, o investidor estrangeiro deve voltar para o mercado brasileiro em meados do segundo trimestre, quando começarem a sair os resultados do primeiro trimestre das companhias. "Com as empresas reportando bons lucros e a nossa bolsa mais barata do que as outras emergentes, o estrangeiro vai perceber como as ações brasileiras apresentam boas oportunidades de ganhos", acredita o superintendente. Com esse cenário de recuperação em vista, Poso afirma que continuam mantidas as perspectivas positivas para o mercado brasileiro no médio prazo, ou seja, para o fim deste ano.
Na opinião do diretor da corretora Ativa, Álvaro Bandeira, o dinheiro só vai voltar para a bolsa assim que o investidor tiver uma visão mais clara de como se dará a condução das políticas econômica e monetária do novo governo. "Isso já era esperado", diz. Para ele, as medidas estão no caminho certo e o governo precisa apenas afinar o discurso.
Enquanto isso não acontece, Bandeira acredita que esta é a hora de o investidor local aproveitar para montar sua carteira de ações, com compras progressivas. Setores privilegiados pelo governo, como infraestrutura e de construção civil, além de bancos, podem ser boas apostas, acredita o diretor. Póvoa, do Modal, ressalta que é preciso ser seletivo, já que a sangria continua desatada. "Alguns papéis de segunda e terceira linha que caíram cerca de 20% podem valer a pena, ou papéis ligados a commodities e bancos."
Fonte: Valor

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