segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O fim do superávit chinês

O superávit em conta corrente da China - combinação de seu superávit comercial e lucro líquido com investimentos no exterior - é o maior do mundo. Com um superávit comercial de US$ 190 bilhões e a renda proveniente de sua carteira de ativos estrangeiros de quase US$ 3 trilhões, o superávit externo da China é de US$ 316 bilhões, o equivalente a 6,1% do Produto Interno Bruto (PIB) anual.
Como o superávit em conta corrente é denominado em moeda estrangeira, a China precisa usar esses fundos para investir no exterior, especialmente comprando bônus governamentais lançados pelos Estados Unidos e países europeus. Como resultado, as taxas de juros desses países estão mais baixas do que estariam sem essas compras.
Tudo isso pode estar para mudar. As políticas que a China adotará como parte de seu novo plano de cinco anos encolherão seus superávits comercial e em conta corrente. É possível que, antes do fim da década, o superávit em conta corrente da China se transforme em déficit, com o país importando mais do que exportando; e gastando a renda de seus investimentos externos em importações e não em papéis estrangeiros. Se isso ocorrer, a China não será mais um comprador líquido de bônus dos EUA e de outros governos, o que pressionará as taxas de juros desses países para cima.
É possível que, antes do fim da década, a China passe a ter déficit em conta corrente, com o país importando mais do que exportando; e gastando a renda de seus investimentos externos em importações e não em papéis estrangeiros
Embora atualmente esse cenário possa parecer implausível, na verdade é bem possível. Afinal, as políticas que a China adotará nos próximos anos têm como alvo o enorme índice de poupança do país - a causa de seu grande superávit em conta corrente.
Em qualquer país, o balanço em conta corrente é a diferença entre a poupança doméstica e o investimento nacional em fábricas, equipamentos, residências e estoques. Esse fato fundamental não é uma questão de teoria econômica ou algo historicamente periódico. É uma identidade contábil fundamental da renda nacional que vale para todos os países, todos os anos. Portanto, qualquer país que reduza sua poupança doméstica, sem cortar o investimento, verá um declínio em seu superávit em conta corrente.
O índice de poupança doméstica da China - incluindo a poupança das pessoas físicas e das empresas - está agora em cerca de 45% do PIB, a maior no mundo. Mais à frente, no entanto, o plano quinquenal reduzirá o índice de poupança, uma vez que a China busca aumentar o consumo doméstico e, dessa forma, o padrão de vida média dos chineses.
O plano almeja maiores salários reais, de forma que a renda familiar, enquanto participação do Produto Interno Bruto (PIB), aumentará. Além disso, as empresas estatais terão de distribuir uma maior parte de seus lucros na forma de dividendos. E o governo aumentará seus gastos em serviços como assistência médica, educação e habitação.
Essas políticas são motivadas por considerações domésticas, uma vez que o governo chinês tenta elevar o padrão de vida em ritmo superior ao do PIB, que está se desacelerando. Seu impacto líquido será elevar o consumo como porcentagem do PIB e reduzir o índice de poupança nacional. E, com essa queda na poupança, virá uma queda no superávit em conta corrente.
Como o superávit em conta corrente da China gira atualmente em torno dos 6% do PIB, se o índice de poupança cair dos atuais 45% para menos de 39% - ainda maior do que o de qualquer outro país - o superávit se tornará déficit.
Essas perspectivas para o balanço em conta corrente não dependem do que vier a ocorrer com a taxa de câmbio do yuan em relação às demais moedas. O desequilíbrio poupança/investimento é fundamental e, sozinho, determina a posição externa do país.
A queda na poupança doméstica, contudo, provavelmente levará o governo chinês a permitir uma maior valorização do yuan. Do contrário, o aumento no consumo doméstico criaria pressões inflacionárias. Permitir a valorização da moeda ajudará o país a compensar essas pressões e restringir o crescimento dos preços.
Um yuan mais forte reduziria a conta com as importações, incluindo os preços pagos pelo petróleo e outros insumos, e tornaria os bens chineses mais caros para os compradores estrangeiros, além de deixar os produtos externos mais atraentes para os consumidores chineses. Isso reorientaria a produção voltada às exportações para o mercado interno e reduziria, portanto, o superávit comercial, além de restringir a inflação.
O superávit comercial chinês e a taxa de câmbio do yuan estavam no topo da lista dos assuntos discutidos pelos presidentes da China, Hu Jintao, e dos Estados Unidos, Barack Obama, quando o primeiro foi a Washington neste mês. Os americanos estão ansiosos para que a China reduza seu superávit e permita uma maior valorização do yuan. Mas deveriam ter cuidado com o que desejam, porque um superávit menor e um yuan mais forte sugerem que, algum dia, a China não será mais compradora líquida de bônus do governo americano. Os EUA deveriam começar a planejar-se para esse dia.
Martin Feldstein é professor de economia em Harvard, foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos do ex-presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan e foi presidente do National Bureau for Economic Research.
Fonte: Valor

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