quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O xerife da bolsa

Responsável pela fiscalização das operações na BM&FBovespa, o ex-Banco Central Luis Gustavo da Matta Machado ainda se impressiona com o número de golpes contra investidores. Desde que assumiu a BM&F Bovespa Supervisão de Mercado (BSM), em 2008, ele já encaminhou quatro casos de pirâmides financeiras para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). "Em um deles, um dos nossos próprios funcionários da fiscalização recebeu um folheto oferecendo o golpe", lembra.
Matta Machado é responsável também pelo sistema de pedidos de indenização feitos por investidores que se sentem prejudicados pelas corretoras, o Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (MRP). A bolsa mantém um fundo para esses casos, que cobre até R$ 60 mil. Muita gente, porém, confunde as coisas, e quer ressarcimento por perdas de mercado, e não por falhas da corretora. "Aí não há indenização", explica. Foi o caso de uma investidora que procurou a BSM alegando que a corretora "não a alertou antes sobre a crise de 2008."
Confirma essa distorção o número de pedidos de indenização, que disparou em 2008, ano de fortes perdas do mercado, para 143. Em 2007, foram 17 pedidos. Além disso, de 53 processos instaurados este ano até setembro, 47, ou seja, 89%, foram julgados improcedentes, e só um deles resultou em ressarcimento. Houve ainda quatro acordos entre as partes.
Matta Machado adianta que pode ser aprovada nas próximas semanas uma reforma do fundo garantidor. O estudo, feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), estabelece o tamanho necessário para esse fundo, que hoje possui R$ 280 milhões. Isso deve resultar na devolução de parte do dinheiro para as corretoras. Além disso, elas poderão parar por algum tempo com as contribuições, hoje de 0,012% do volume operado.
Prevendo isso, desde o começo do ano, as contribuições estão sendo separadas no que Matta Machado chama de MRP 2. "O novo fundo já tem R$ 25 milhões, que podem ser devolvidos caso o estudo da FGV confirme que há excesso", diz. O estudo levará em conta não só as reclamações dos investidores, mas também as medidas preventivas, como a fiscalização das corretoras. "Com a auditoria anual das instituições, o risco de problemas é menor, assim como a necessidade de recursos do fundo", observa. Depois de aprovado pelo Conselho da bolsa, a proposta vai para a CVM para ser referendada.
Entre as tarefas da BSM está justamente a auditoria das corretoras. No ano passado, foram auditadas 89 instituições. Muitas, pela primeira vez, pois apenas as corretoras da BM&F eram fiscalizadas por conta dos programas de selos de qualidade da bolsa. "As de Bovespa, não", lembra Matta Machado. As auditorias usam uma metodologia nova e rigorosa e envolvem hoje 40 dos 70 funcionários da BSM.
Além das corretoras, a BSM acompanha também os negócios realizados na bolsa, para ver se há uma boa formação de preços. O objetivo é identificar indícios de fraude, irregularidades ou lavagem de dinheiro nos negócios já fechados. "Durante o pregão, quem faz esse acompanhamento é a diretoria de operações da bolsa, e o que não é resolvido no dia nos é repassado", diz.
Hoje, as atenções da área estão voltadas para as transações eletrônicas de alta velocidade com acesso direto ao mercado (DMA, na sigla em inglês). Há o receio de que se possa influenciar preços inundando o mercado com ofertas que depois são retiradas, levando o valor final dos negócios artificialmente para baixo ou para cima. "Hoje, acompanhamos os negócios, não tanto as ofertas", afirma.
A BSM desenvolveu um sistema para detectar movimentos estranhos de preços ou volumes. "Antes, olhávamos uma amostra de 60, 70 operações e descobríamos um ou dois casos", afirma Matta Machado. "Agora, temos um relatório de todo o mercado que indica onde devemos aprofundar a análise e, se for o caso, pedimos esclarecimentos para a corretora, o que pode levar a um processo administrativo", diz.
O sistema acompanha todas as operações e as compara, por exemplo, com o perfil dos investidores. Com isso, a BSM consegue identificar um investidor que, operando pela primeira vez em bolsa, faz uma operação extremamente sofisticada. "Se o cara não for um Armínio Fraga, pode ser um sinal de que há algo errado", diz. O sistema analisa também casos de gente que só ganha ou só perde em tudo que faz, por exemplo. "Voltamos no tempo e analisamos as operações para ver o que há por trás do azarado ou do sortudo", diz.
Mas a maioria dos problemas com investidores está relacionada a agentes autônomos, que extrapolam suas funções e fazem gestão de carteiras, diz Matta Machado. Para ele, deveria ser função da corretora fiscalizar esse agente. "Mas antes ele podia trabalhar para várias instituições, o que dificultava o acompanhamento", afirma. Por isso, recentemente, o Programa de Qualificação Operacional da bolsa passou a exigir essa exclusividade. No geral, 30% das reclamações envolvem agentes autônomos, 20% problemas de tecnologia e 20% erros de operações.
O investidor, em geral, alega que o agente fez operações à revelia dele. Mas o que a BSM detecta muitas vezes é que há um acordo tácito entre o agente e o investidor para o primeiro opere em nome do segundo. Tanto que o cliente acompanha o agente quando ele muda de corretora e faz as mesmas operações por um longo tempo. "Mas quando ele começa a perder, o agente começa a tentar recuperar os prejuízos e passa a correr mais risco, e aí perde ainda mais", diz.
E aí o investidor, que deu a autorização tácita, denuncia o agente por atuação irregular. "Mas o investidor não é tão inocente, ele recebe os avisos de negociação de ações (ANA), paga as taxas de corretagem, e não reclama, o que é um sinal de que autorizava a operação, mas só para ganhar", resume. Nesses casos, a BSM abre uma sindicância contra a corretora e o agente e nega o ressarcimento ao cliente.
Fonte: Valor

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