Para a estreia, o Itaú aportou 250 milhões de reais. Dessa forma, já começa como o décimo maior investidor de private equity do país -- embora ainda distante de grandes fundos, como o GP, dono de quase 3 bilhões de reais. O banco ainda pretende captar outros 500 milhões de reais de investidores nacionais e estrangeiros nos próximos anos. Esse parece ser uma espécie de movimento em cadeia no mercado financeiro. O Itaú chega ao mercado de private equity dois meses depois de seu maior concorrente, o Bradesco. Em 16 de setembro, a instituição assumiu a dianteira ao anunciar sua entrada no setor em parceria com o grupo português Espírito Santo. O resultado é a 2BCapital, com aporte inicial de 100 milhões de reais. No mesmo dia, o Pine, o 40o maior banco do país, firmou parceria com o grupo de investimentos americano Global Emerging Markets para captar e investir 250 milhões de dólares no país.
Uma das razões para que bancos tradicionais entrem num terreno até então inexplorado está na queda dos juros nos últimos anos. Grandes clientes corporativos já buscavam alternativas de investimento mais vantajosas que as tradicionais, como títulos públicos. É uma migração que, em outros países, já aconteceu há muito tempo. O Citi, por exemplo, iniciou seus investimentos em empresas nos anos 60. O HSBC, na década de 80. "Ingressar no setor de private equity, para os bancos brasileiros, significa aproveitar uma demanda reprimida", diz Cláudio Furtado, diretor do GVcepe, braço da FGV que analisa o mercado de private equity e venture capital.
No caso do Itaú, os planos para entrar na nova área começaram há cerca de dois anos -- quase simultaneamente à abertura da Kinea. Boa parte de sua estrutura, hoje com 25 funcionários, veio da antiga área de administração de recursos de clientes corporativos do BankBoston, comprado pelo Itaú em 2006. Durante esse período a Kinea investiu sobretudo em imóveis e em fundos de hedge, mas desde o início de suas operações esperava a hora certa para estrear em private equity. "Nossa dificuldade era encontrar profissionais que dominassem todas as etapas do processo", diz Marcio Verri, presidente da Kinea e ex-diretor do antigo BankBoston. A oportunidade surgiu com a crise financeira nos Estados Unidos. Com as dificuldades da matriz da AIG, Lauretti e Marrachine passaram a ter problemas em fechar negócios no Brasil. Logo depois, deixaram a companhia para aceitar o convite do Itaú Unibanco. Mas, no novo emprego, o único sinal de que eles fazem parte do Itaú está em letras miúdas no canto de seus cartões de apresentação, ofuscado pela marca Kinea. O escritório do fundo de private equity fica no bairro do Itaim, distante da sede do Itaú Unibanco, no Jabaquara, zona sul de São Paulo. Seus oito principais executivos são sócios do negócio -- e detêm juntos uma fatia de 20% da Kinea (os demais 80% estão nas mãos do Itaú Unibanco). Também têm direito à metade dos lucros de todas as negociações. "A estrutura reduzida, com autonomia para decisões, é fundamental num setor como esse", diz Marrachine.
Manter uma estrutura separada para o novo negócio é particularmente importante no caso do Itaú -- conhecido pela tradicional rigidez hierárquica, incompatível com a agilidade dos fundos. Alguns sinais da formalidade, como salas fechadas para diretores e uso incondicional de terno e gravata para os executivos do banco, persistem -- embora comecem a ser abolidos (em parte por influência dos executivos do Unibanco). Não é o tipo de ambiente que combine com a maioria dos fundos. Por isso, o modelo que serve de inspiração para a Kinea é semelhante ao que vale para o banco de investimento BBA. Desde que foi comprado pelo Itaú, em 2002, o BBA mantém uma estrutura separada, com um escritório na avenida Faria Lima, o novo coração financeiro de São Paulo. Há uma cultura peculiar. Qualquer um dos 400 funcionários à frente das negociações do BBA, por exemplo, tem autonomia para conversar diretamente com o presidente Cândido Bracher, filho do fundador e que permanece no comando da divisão até hoje. "Até agora o Itaú soube manter a cultura tanto do BankBoston quanto do BBA nas áreas de clientes corporativos", diz Betania Tanure, especialista em comportamento organizacional. "À medida que o negócio crescer, isso será cada vez mais desafiador e importante."
Além de manter à parte a identidade cultural, há outra razão para construir uma muralha chinesa entre negócios tradicionais e a atividade de private equity. "Existe um conflito de interesses em potencial entre as duas atividades", diz Jorge Maluf, especialista em finanças da consultoria Korn/Ferry. Os investidores precisam, por exemplo, ter certeza de que as empresas compradas não vão ficar reféns dos serviços financeiros de seus acionistas. Na Kinea, isso já está definido. As empresas adquiridas poderão ser clientes de qualquer banco, mesmo dos concorrentes. A Kinea tampouco pretende comprar o controle das empresas -- a participação máxima ficará limitada a 49%. Trata-se, aliás, da mesma estratégia seguida pelo concorrente Bradesco.
Apesar do ingresso quase simultâneo, Itaú e Bradesco não devem repetir em private equity a disputa acirrada por espaço que travam em outros setores, como o varejo. Segundo especialistas, ainda há um vasto campo aberto para novos fundos no mercado brasileiro. De acordo com a GVcepe, os 140 fundos em atuação no país investiram 31 bilhões de dólares em 2008 -- o equivalente a 1,5% do PIB brasileiro. A média global é 3,5%. "O Brasil deve chegar a esse patamar nos próximos cinco anos, com investimentos de até 80 bilhões de reais", diz Furtado, do GVcepe. A competição entre os dois bancos vai ficar na comparação do porte e da eficiência de seus negócios de compra e venda. E essa é uma corrida que começa para valer agora.
Fonte: Portal Exame
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