segunda-feira, 26 de outubro de 2009

'Insider' na mira da Justiça

Ministério Público e Polícia Federal acompanham mais de perto o uso de informações privilegiadas no mercado de ações.


Há apenas um processo criminal em curso na Justiça brasileira, mas, a julgar pelas investigações sobre suspeitas de "insider trading" em andamento hoje, esse número, em breve, deve crescer. Os possíveis crimes por uso de informação privilegiada no mercado de capitais são investigados em sigilo, mas tanto o Ministério Público quanto a Polícia Federal confirmam a existência de inquéritos em curso, ainda sem data para serem apresentados à Justiça e se tornarem ações penais. Até agora, a única ação penal sobre "insider" em andamento no Judiciário foi aberta em maio deste ano contra dois ex-executivos da Sadia e um do banco ABN Amro por terem utilizado informações privilegiadas relativas à oferta da Sadia pela Perdigão em 2006 e obtido lucro na Bolsa de Valores de Nova York.

Em São Paulo há investigações em andamento tanto na Polícia Federal quanto na Polícia Civil, e as suspeitas surgem de fontes diversas - como inquéritos administrativos que tramitam na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), denúncias anônimas e escutas telefônicas feitas em operações que apuram outros tipos de crime. "Temos investigações em andamento, mas para indiciar suspeitos precisamos verificar se aquela suspeita de uso de informação privilegiada se confirma e se a pessoa continua agindo dessa forma", afirmam os delegados Ricardo Saadi e Rodrigo Luís Sanfurgo de Carvalho, chefe e integrante da Divisão de Repressão Combate aos Crimes Financeiros da Polícia Federal em São Paulo.

Até hoje, apenas três das 791 operações realizadas pela PF desde 2006 no país tiveram como foco o mercado de capitais. Nenhuma delas envolveu "insider": em dois casos, o objetivo foi desarticular quadrilhas que praticavam fraudes com ações e contra investidores, e no terceiro, neste ano, foi desmontado um esquema de pirâmide financeira no Rio Grande do Sul.

Já no caso do Ministério Público Federal, os inquéritos, em geral, começam com o envio de informações colhidas durante os procedimentos administrativos da CVM. Os procuradores da República Antônio do Passo Cabral e Rodrigo de Grandis, que atuam na área de crimes financeiros do MPF no Rio e em São Paulo, respectivamente, confirmam a existência de investigações - todas em sigilo. "Mas são poucos os casos", diz Cabral.

A tendência, no entanto, é a de que o número de casos aumente, como resultado de um termo de cooperação assinado entre o MP e a CVM em maio de 2008. O acordo prevê a troca de informações - a CVM deve repassar ao MP informações, provas e documentos obtidos nas apurações administrativas e o MP deve enviar à autarquia as informações coletadas durante suas investigações.

Esse fluxo de informações sempre existiu, segundo Alexandre Pinheiro dos Santos, procurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto à CVM, mas houve um estreitamento em 2006, quando foi criado um grupo de atuação no mercado de capitais. O grupo é formado por procuradores federais para discutir ações judiciais que tenham como foco o mercado, sejam para punir criminalmente ou impor sanções às pessoas responsáveis por atos ilícitos, e culminou no termo de cooperação entre CVM e MP. "Ainda que a possibilidade de punição por crime de 'insider' tenha surgido em 2001, faltava uma aproximação entre as duas instituições", diz o procurador regional da República em São Paulo Marcelo Moscogliato, coordenador do grupo.

O procurador Alexandre dos Santos não revela quantos casos de suspeita de "insider" existem hoje em investigação no país. "Já há novos procedimentos investigatórios e muito provavelmente teremos um número de casos se desdobrando na esfera penal em curto e médio prazo", diz. Sempre que a CVM verifica um possível crime, encaminha as informações ao MP, independentemente de já ter concluído o processo administrativo e do resultado. O encerramento do processo na CVM com a assinatura de termos de compromisso - como ocorreu com o Credit Suisse, que na semana passada acertou o pagamento de R$ 19,2 milhões para encerrar o processo em que era acusado de uso de informação privilegiada na negociação de ações da Embraer - não isenta a empresa de responder na esfera penal.

Desde 2006, foram julgados 11 processos pela CVM. Outros casos foram encerrados mediante termos de ajustamento de conduta. Em tese, todos podem ser alvo de investigações criminais. Na prática, no entanto, não é o que deve ocorrer. Uma das maiores dificuldades apontadas é a exigência de provas para que haja uma condenação. "A prova do 'insider' é extremamente difícil", diz o procurador regional da República na 5ª Região Sady d'Assumpção Torres Filho, membro do grupo de mercado de capitais do MPF. "E a escuta telefônica e a quebra de sigilo funcionam em casos de crimes continuados, mas o 'insider' é um crime de oportunidade." "As operações são liquidadas em três dias, e nosso tempo de reação não é o mesmo dos criminosos", diz o procurador no Rio Antônio do Passo Cabral, vice-coordenador do grupo.

O grupo de mercado de capitais está analisando, em conjunto com a CVM, técnicas para que o flagrante do "insider" seja possível. O procurador Rodrigo de Grandis, autor da denúncia contra a Sadia, afirma que é por isso que a aproximação entre MP e CVM é fundamental para que a atuação do primeiro ocorra quase simultaneamente à identificação do delito pela segunda. "Nos próximos casos a tendência é a de termos medidas restritivas, como o bloqueio de ativos."

Ainda que se consiga obter provas quase simultaneamente ao uso da informação privilegiada e bloquear ativos para que haja uma condenação penal, a possibilidade de que a pena de um a cinco anos de prisão prevista para o crime de "insider" seja aplicada é muito difícil, avalia de Grandis. "Se os réus não têm antecedentes, é possível a aplicação de penas alternativas, como a pecuniária ou restritiva de direitos", diz.

Fonte: Valor Online

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