quarta-feira, 29 de julho de 2009

Ganho com fortes emoções

Índice Bovespa recupera perdas pós-quebra do Lehman Brothers, mas volatilidade é a maior desde 1999 e aumenta o risco para o investidor.

Em menos de um ano, o Índice Bovespa zerou as perdas da crise iniciada em setembro do ano passado com a quebra do banco americano Lehman Brothers. Foi uma viagem de 25 mil pontos, que começou com 45% de queda, dos 54.404 pontos de 2 de setembro para 29.435 em 27 de outubro, seguida de alta de 85%, para 54.471 pontos ontem. Mas a crise deixou suas marcas no ritmo de oscilação do mercado. Conforme estudo da Economática, a volatilidade do Ibovespa é a mais alta desde 1999, época da flutuação do real, e não há sinais de que cairá tão cedo.

Se serve de consolo, o investidor brasileiro não está sozinho nessa jornada. O mercado americano também está com níveis de volatilidade nunca vistos, compatíveis com a maior crise desde 1929, lembra Einar Rivero, da Economática. "É o eletrocardiograma do mercado, mostra que o coração está batendo em ritmo alucinante", diz.

Com tanta volatilidade, o mercado busca se adaptar, procurando oportunidades em prazos mais curtos, aproveitando as oscilações e distorções de preços, observa Einar. "Muita gente está ganhando dinheiro no dia a dia, deixando o longo prazo um pouco de lado", observa. Com isso, a análise fundamentalista, do desempenho da empresa, acaba ficando de lado e os investidores buscam se orientar pela análise gráfica, que indica os movimentos de curtíssimo prazo. Para Einar, talvez no segundo semestre, com a volta dos bons resultados das empresas, os prazos se estiquem um pouco mais.

A volatilidade na Bovespa é ainda muito intensa e o investidor custa a se acostumar aos vaivéns. "Faz parte de um processo de aprendizado, pois com juros abaixo de 10% ao ano, o aplicador vai ter de entender que não dá para ganhar dinheiro sem sobressaltos", diz o diretor da Spinelli Corretora Manuel Lois. Ele lembra que o Brasil passa por uma mudança estrutural, que forçará o investidor a repensar o seu apetite por risco. Sem mais poder cultivar ganhos polpudos na renda fixa proporcionados por taxas estratosféricas, ele considera a migração para a bolsa compulsória para quem quiser retornos diferenciados.

"Investir em ações é para toda a vida, é para poupar parte da renda mensal, e não se preocupar com as oscilações de curto prazo, é entender que, quando a bolsa cai, é uma oportunidade para investir mais", diz Lois. O executivo reconhece, porém, que esse não é um comportamento óbvio porque quando o Ibovespa aponta sistematicamente para baixo, a exemplo do que ocorreu após a quebra do Lehman Brothers, o investidor se sente mais pobre.

Para um período de 12 meses, o Ibovespa ainda deve dar retornos acima do custo de oportunidade - a Selic projetada -, espera o diretor de Renda Variável do HSBC Global Asset Management, Eduardo Favrin. "O investidor local, especialmente o institucional, ainda está no início de um processo e ele vai se fazer mais presente a partir de 2010, é quando começaremos a ver um movimento mais intenso de migração da renda fixa para a variável." Com juros reais em níveis historicamente elevados, o executivo pondera que fazia sentido manter uma alocação relativamente baixa na bolsa. Mas, num cenário de taxas menores, é uma questão matemática buscar alternativas. "As fundações vão ter de agregar mais risco nas carteiras como um todo, pode ser em multimercados, crédito privado ou bolsa, só com o juro real não vai dar para bater as metas atuariais."

A única coisa que pode reduzir a volatilidade da bolsa é uma maior visibilidade sobre o futuro da economia mundial, cenário que ainda parece estar distante, diz Lika Takahashi, chefe da área de Análise da Fator Corretora. "Estamos vivendo ao longo deste ano de sustos e sustinhos, alguns bons e outros ruins, e isso aumenta a volatilidade", afirma. O lado positivo é que, nos últimos três meses, o fluxo de notícias positivas foi maior e fez o mercado subir. "Mas nada impede que haja uma nova onda de notícias ruins e o mercado caia novamente", alerta Lika.

Uma das variáveis que tornam o futuro do mercado mais incerto é a ligação do Brasil com a economia chinesa, grande consumidora de commodities. "E a China é uma grande incógnita, não só pelas questões econômicas mundiais em si, mas pela baixa confiabilidade dos dados", diz.

Lika vê com ressalvas a forte alta do Ibovespa nos últimos dias, fruto muito mais do fluxo de investidores externos do que da melhora das condições das companhias. "Olhando os números das empresas, as ações já não estão baratas e as apostas se tornaram menos óbvias", afirma. Por isso, no curto prazo, o mercado vai depender muito mais do fluxo de estrangeiros. Até dia 24, o saldo dos investidores externos na Bovespa no mês estava positivo em R$ 1,598 bilhão, depois de ter chegado a ficar negativo em R$ 2 bilhões. No ano, o saldo é de R$ 11,705 bilhões.

A recuperação rápida das ações criou também uma situação em que grandes investidores externos, que perderam a recente alta, ficam à espera de quedas para comprar. Com isso, quando há um recuo dos preços, há novamente um movimento de alta, mesmo sem muitos motivos macroeconômicos. "Isso impede uma queda maior", diz Lika.

Para ela, a visibilidade no mercado deve melhorar no fim deste ano ou no começo do ano que vem. "Mas só vamos ter uma ideia boa do efeito das medidas contra a crise na economia mundial em meados de 2010", diz Lika. Até lá, a bolsa deve continuar em função das notícias e do fluxo de investidores externos. Lika ainda mantém a estimativa de um Ibovespa na casa dos 51 mil pontos neste ano e de 60 mil para junho do ano que vem. "Mas vamos ver até o fim deste mês."

Apesar da alta de 45% neste ano, o Índice Bovespa ainda está longe e precisaria subir mais 35% para voltar ao pico de 73.516 pontos, de 20 de maio de 2008, pouco depois de o país atingir o selo de investimento de baixo risco. Mas espaço para ganhos existe, dizem analistas. Pedro Martins, estrategista para América Latina da Banc of America Securities Merrill Lynch, vê um potencial de alta de 24% para as principais ações brasileiras em 12 meses e acha que o Brasil passará por um processo de reclassificação de risco, um "re-rating".

A diversificação dos investidores locais, que pode jogar US$ 22 bilhões por ano dos fundos de renda fixa para ações, forçará um aumento dos preços das ações. Com isso, a relação Preço/Lucro - P/L, referencial que estima em anos o tempo de retorno do investimento na ação e, portanto, quanto menor, melhor - do mercado brasileiro deve aumentar, para se equiparar aos mercados globais. "O P/L médio do Brasil tem um desconto de 13% em relação ao P/L global que deverá desaparecer com esse 're-rating'", acredita Martins. Ao mesmo tempo, esse dinheiro local servirá para aliviar o impacto da saída dos estrangeiros em momentos de turbulência.

Fonte: ValorOnline

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