quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Goldman ensina como ganhar na crise


Um estrategista de peso do Goldman Sachs Group Inc. traçou um cenário particularmente sombrio para a economia aos clientes de fundos de hedge do banco e deu sugestões de como esses operadores podem tirar vantagem da crise financeira na Europa.
No relatório de 54 páginas enviado para centenas de clientes institucionais do Goldman e publicado em 16 de agosto, Alan Brazil - um estrategista do Goldman que faz parte da mesa de operações do banco - argumenta que serão necessários pelo menos US$ 1 trilhão em capital para recuperar os bancos europeus; que as pequenas empresas nos Estados Unidos, um motor para as contratações no passado, ainda estão se arrastando; e que o crescimento da China pode não ser sustentável.
Entre as sugestões de Brazil para fazer aplicações baseadas nessa análise pessimista: uma opção de investimento sofisticada que permita apostar na queda do euro, e uma aplicação de desvalorização através de um índice de contratos de seguro para o crédito de ações financeiras europeias. O relatório também inclui algumas informações detalhadas sobre as instituições financeiras europeias e esclarece a profundidade dos problemas na Europa, nos EUA e na China.
Um porta-voz do Goldman Sachs disse: "Para o seu conhecimento, as instituições financeiras publicam relatórios sugerindo estratégias para atender às necessidades dos clientes. Se os clientes quiserem fazer hedge de exposições existentes ou assumir posições de compra ou de venda, nosso objetivo é ajudá-los a superar os desafios apresentados pelo mercado." Por meio do porta-voz, Brazil, que tem 57 anos, não quis comentar.
O relatório é divulgado num momento em que o Goldman e seus principais concorrentes disputam negócios nas áreas de consultoria e de banco de investimento na Europa. Na quarta-feira, o Goldman Sachs e outros dois grandes bancos realizaram uma conferência em Londres na qual o secretário de Economia da Espanha, José Manuel Campa, planejava detalhar as medidas de austeridade fiscal do governo espanhol e apresentar o modelo do país para os investidores, segundo um convite ao qual o "Wall Street Journal" teve acesso. O Goldman tem posição de liderança entre os bancos nas operações de vendas de títulos de dívida soberana da Espanha.
As firmas de Wall Street já tentaram vender sugestões de investimento para fundos de hegde que seriam recompensadas em tempos de crise no passado. Antes da crise financeira de 2008, o Goldman e outros grandes bancos de Wall Street aconselharam seus clientes com apostas na desvalorização do mercado imobiliário envolvendo swaps de crédito - os chamados CDS, semelhantes a contratos de seguro cujo preço sobe quando cai o valor dos ativos em que eles se baseiam - criados pela instituição. O Goldman às vezes foi a parte que apostava na queda, mesmo quando estava vendendo para clientes posições de aposta na alta.
As ideias de negociação do relatório publicadas pelo estrategista Alan Brazil, no entanto, são diferentes dos produtos atrelados às hipotecas vendidos pelo Goldman, porque esses últimos envolvem produtos financeiros que já existem, como opções e índices. Como um "formador de mercado" nos produtos listados no relatório do estrategista, o Goldman está oferecendo unir as alternativas de investimento descritas pelo banco. Quando o Goldman conduz esse tipo de operação, o banco embolsa comissões mais altas do que as operações com ações, que rendem apenas alguns centavos por ação. As posições de investimento do Goldman poderiam, talvez, se beneficiar caso os fundos de hedge e outros clientes façam apostas baseadas no relatório. O Goldman diz em negrito no começo do relatório que outros operadores do banco, ou "empregados do Goldman" podem já ter feito investimentos com base no relatório.
Claro que o estrategista do Goldman não está sozinho em sua visão sombria sobre a Europa: as apostas pessimistas para o mercado europeu predominam em Wall Street. Brazil também não está ligado aos instrumentos financeiros mencionados no relatório. Por exemplo, a unidade de Pesquisa e Estratégia em Commodities e Economia Global do Goldman divulgou um relatório sobre câmbio em julho que menciona as perspectivas de apostas numa queda do euro em relação ao dólar e ao franco suíço. Outros bancos de investimento têm estrategistas que fornecem dicas de investimento para fundos de hedge.
O relatório, divulgado pelo grupo de Estratégia de Fundos de Hedge da divisão de títulos, dá acesso às sugestões de investimento que serão criadas para os fundos de hedge por estrategistas como Brazil, que fazem parte da mesa de operações do Goldman, e não da equipe de pesquisa.
Tais estrategistas sentam lado a lado com os operadores que executam as negociações para os clientes. Ao contrário de analistas das divisões de pesquisa das empresas - que supostamente devem ficar isolados das informações sobre as atividades dos clientes da firma - esses estrategistas das mesas de operação têm uma visão privilegiada do vaivém das apostas de investimento dos clientes.
Eles podem ver se existe um forte interesse entre os fundos de hedge em assumir posições com apostas de baixa para um determinado setor e observam os volumes de negociação secarem ou explodirem. O ponto de vista deles é alimentado mais por informações, frequentemente confidenciais, sobre os clientes do que por opiniões de analistas, fazendo com que suas sugestões sejam altamente valorizadas pelos operadores.
O próprio relatório observa que as informações ali contidas não são consideradas como pesquisa pelo Goldman. "Esse material não se trata de consultoria independente e não é um produto da [unidade] de Pesquisa de Investimento Global", destaca. Gestores de fundos de hedge são aconselhados a não repassar os relatórios de Brazil, e cada página tem o nome do cliente de fundo de hedge. Não está claro se algum cliente fez aplicações baseadas nessas sugestões.
O relatório de Brazil traz uma linguagem e detalhes sobre os problemas do mercado que normalmente não aparecem em materiais de pesquisa para o público. Os fundos de hedge devem se preparar para tempos difíceis, ele sugere. "Lá vamos nós outra vez", diz ele no relatório, em meio a vários gráficos mostrando estatísticas negativas semelhantes aos vistos em 2008. Brazil escreve: "Resolver um problema de dívida com mais dívida não resolveu o problema atual. Nos EUA, a alta da dívida do Tesouro financiou o consumo, mas não teve impacto sobre a criação de empregos. Os EUA podem continuar a depreciar a moeda de base mundial?", pergunta.
Brazil dá detalhes sobre os financiamentos de 77 instituições financeiras da Europa, identificando alguns que são especialmente alavancados. Esses detalhes são valiosos para investidores que estão buscando aplicações com apostas em quedas por meio de swaps de crédito para bancos europeus.
Para os investidores que querem fazer uma aposta mais ampla contra as instituições financeiras europeias, Brazil sugere comprar um contrato de swap de crédito de cinco anos atrelado a um índice, que reflete a nota de crédito de várias empresas europeias. Cerca de 20% dos componentes do índice, o "iTraxx Europe series 9", são bancos e seguradoras, diz Brazil.
Ele recomenda ainda uma opção de seis meses que permite apostar contra o euro em relação ao fraco suíço. O euro "pode se desvalorizar se pacotes de socorro financeiro adicionais ou medidas de estímulo forem aprovadas pelos governos europeus", escreve. (Colaborou Sara Schaefer Muñoz.)
Fonte: Valor

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