terça-feira, 26 de julho de 2011

Em Chengdu, China ergue cidade do futuro

Já é madrugada, mas a obra continua. De um ponto mais alto consegue-se avistar operários circulando sobre os novos andares do edifício que surge, ajudando a criar um novo formato urbano. O movimento das lanças da grua faz lembrar os ponteiros de um relógio. A cidade do futuro parece ter pressa para ficar pronta e fazer-se notar no planeta.
Estamos em Tianfu, um parque tecnológico que está sendo erguido em Chengdu, capital da província de Sichuan, no oeste da China. Oitocentos mil metros quadrados de edifícios já estão ocupados por 200 empresas, que empregam 30 mil funcionários. Até o fim do ano mais quinhentos mil metros de construção serão erguidos para atender a uma fila de espera de mais 50 empresas e 15 mil empregados adicionais.
Com a frente em formato arredondado e ar futurista, um conjunto de quatro prédios que compõe o centro financeiro local se sobressai, assumindo desde já o papel de próximo cartão postal da China.
Tianfu ocupa somente a parte sul da cidade tecnológica, um território que anteriormente servia à plantação dos vegetais que compõem a típica e apimentada culinária sichuanesa.
Custo de instalação é outro atrativo: valor dos imóveis no parque equivale a um terço da média de mercado
A chamada "Zona High Tech", que abrange também a indústria de máquinas de precisão e biomedicina, foi planejada para, de fato, ser um novo município. Construído em forma de condomínio, o parque tecnológico terá prédios residenciais e áreas de comércio e lazer. Os empreendedores preveem que quando o projeto estiver pronto, 600 mil pessoas vão morar no local.
A nova cidade tecnológica está a cerca de seis quilômetros do centro de Chengdu, uma das mais importantes cidades da China, com mais de 13 milhões de habitantes.
Os moradores de Chengdu costumam se gabar de seu estilo de vida, mais desprendido que o dos habitantes de metrópoles como Xangai. Além do centro comercial sofisticado, fincado em bairros de elegantes e amplas avenidas arborizadas, e da gastronomia peculiar, a região é conhecida pelo alto padrão cultural, que inclui um tipo diferenciado de ópera, exibida desde o ano de 1700.
O ritmo frenético das construções está por toda a parte e não apenas na nova zona "high tech". Pouco a pouco, pequenos prédios aparentemente abandonados, que carregam um resto de herança dos tempos imperiais, cedem lugar para enormes arranha-céus.
Sichuan convive com as lembranças tristes do grande terremoto que devastou a parte montanhosa da província, em 2008, deixando 68 mil mortos e 17 mil pessoas sem moradia.
A tragédia não alcançou a reserva dos ursos panda. Os animais tem um valor especial no país, onde são considerados um símbolo de amizade - tanto que quando a China decidiu aproximar-se de Taiwan, o presente enviado foram dois panda. Considerada o berço dessa espécie, a província atrai muitos turistas. É o "melhor lugar do mundo para ver os panda", garantem os chineses. Na reserva localizada a menos de uma hora de carro de Chengdu, a espécie pode ser vista vivendo livremente.
O parque dos panda acaba servindo ao parque tecnológico como uma evocação do apelo romântico da região. É o que se percebe no discurso de Thomas Tang, diretor do escritório de planejamento estratégico da Zona High Tech de Chengdu: "Esta cidade tem uma vantagem histórica de três mil anos. Temos lindos ursos panda e não faz muito calor e nem muito frio. É por isso que pessoas de talento, como os poetas, preferem ficar aqui; é um local muito adequado para as pessoas que trabalham com software."
Como se repetisse um mantra, Tang cita uma lista de empresas de peso já instaladas no parque: IBM, GE, Huawei, Siemens, Ericsson, Tencent... Segundo conta, 40% são companhias estrangeiras e 23 estão listadas entre as 500 da revista "Forbes". Esses gigantes conferem ao parque uma espécie de grife, da mesma maneira que as lojas de marcas famosas, como Louis Vutton, conferem elegância ao centro comercial da cidade.
Para ajudar na apresentação do projeto, Victor Jansson, vice-presidente de desenvolvimento de negócios do Tianfu Software Park, senta-se ao lado de Tang. Oriundo do setor hoteleiro, Victor é suíço. Mudou-se para a China há sete anos e há dois trabalha no projeto do parque.
Jansson esbanja conhecimento sobre o empreendimento e sabe falar chinês, embora seja difícil para um ocidental avaliar se a fluência no idioma é tão boa quanto aparenta. Segundo ele, o parque tecnológico é uma iniciativa público-privada. O governo chinês constrói os prédios e os vende ou aluga para o setor privado. A área ainda em construção já está totalmente encomendada.
Nesse cenário, grupos como o de Jansson desempenham o papel de mediadores da venda ou do aluguel, além da administração do que já funciona como uma espécie de condomínio.
Antes de a apresentação começar, o suíço faz uma demonstração prévia, usando a maquete gigante que enfeita o hall de entrada do escritório. Ele aponta detalhes dos edifícios e, certo de que vai encantar os visitantes, acende as luzes coloridas da maquete, que servem para revelar a imagem noturna da futura cidade.
Os investimentos já feitos no parque somam US$ 10 bilhões, segundo os empreendedores. Eles apostam que esse será "o principal centro de tecnologia e informática do mundo". Quando questionado sobre outras referências do setor, Janssen cita o Vale do Silício, nos Estados Unidos, com a diferença, diz ele, que o projeto chinês permite que várias empresas compartilhem um mesmo edifício. A área onde estão as fábricas dos produtos de informática está a cerca de 45 minutos do parque.
Apesar do discurso de Tang, é difícil imaginar que o principal motivo que está levando as empresas de tecnologia à região seja a poesia de seu cenário. Quem investe no parque tecnológico de Chengdu recebe um pacote de incentivos fiscais, que varia de acordo com o volume de vendas. Além disso, é concedido suporte financeiro, baseado nas futuras contribuições em impostos, e há linhas de financiamento disponíveis.
Apesar de distante da área portuária - são duas horas de avião ou 60 de trem até Xangai - Chengdu tem um aeroporto estratégico. Com movimento de 26 milhões de passageiros em 2010, liga 80 cidades da China e 26 no exterior, incluindo voos diários para as maiores cidades da Europa. Em três horas chega-se a Seul e em seis, a Tóquio.
O custo de instalação no local também é mais baixo. Segundo Jansson, o valor dos imóveis no parque equivale a um terço da média de mercado chinês. O preço médio do aluguel por metro quadrado na área é de US$ 6 por mês.
A vocação tecnológica também estimula uma nova formação educacional. Em Chengdu há 42 universidades. Os cursos da área de tecnologia formaram mais de 50 mil jovens em 2010.
Muitos já questionaram que estratégia a China adotará para lidar com os problemas que surgem com a explosão do crescimento econômico. É um cenário de incertezas, sujeito a muitas especulações, mas em Chengdu uma coisa é certa: diante do império tecnológico que está sendo criado, os pandas terão de enfrentar uma forte concorrência na hora de atrair os olhares dos visitantes.
Fonte: Valor

Nenhum comentário:

Postar um comentário