quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Investidores ensaiam criação de bolsa alternativa

Três anos depois de a BM&FBovespatornar-se uma empresa de capital aberto e passar a perseguir o lucro, um grupo de investidores se articula para tentar criar uma bolsa alternativa no Brasil. São recorrentes entre participantes do mercado queixas sobre os altos custos cobrados pela BM&FBovespa.
A iniciativa está sendo liderada pela gestora de recursos Claritas. A gestora tem procurado atrair outros investidores para o projeto. Um dos primeiros a ser procurado foi o Deutsche Bank, que já é acionista da Bats Global Markets, uma plataforma eletrônica de negociações com sede nos Estados Unidos. No banco alemão, as conversas estão sendo tocadas no exterior e até o momento não houve uma decisão sobre aderir ou não ao projeto.
O executivo Luiz Eduardo Zago, ex-diretor de custódia do Itaú, já teria sido contratado para comandar os trabalhos. Procurados pelo Valor, Claritas e Deutsche não concederam entrevista. Contatado ontem, o executivo não foi localizado para comentar.
A Bats, via assessoria de imprensa, informou que já manifestou no passado que observa vários mercados, inclusive o Brasil, mas que no momento não irá se pronunciar sobre nenhuma oportunidade específica.
O que motiva a inciativa é a percepção de que o mercado brasileiro é muito lucrativo, por ainda estar sob forma de monopólio. Hoje, só é possível comprar e vender ações no Brasil passando pela BM&FBovespa. E a bolsa brasileira, avaliam agentes do mercado, cobra taxas muito altas quando comparadas com as praças globais.
A bolsa doméstica, em termos de valor de mercado, é uma das mais valiosas do mundo. Vale US$ 16,5 bilhões, atrás apenas da bolsa de Hong Kong (US$ 25,75 bilhões) e CME (US$ 21,2 bilhões). No entanto, ao comparar o tamanho do mercado brasileiro com os globais, o doméstico é muito menor em termos de quantidade de negócios e receitas capturadas. A bolsa aqui vale tanto, acredita-se, porque cobra mais caro e opera com margens superiores às das concorrentes. Esse gordo resultado é que teria atraído o interesse de investidores internacionais, inclusive. A BM&FBovespa também não quis comentar o assunto.
O grupo mantém conversas com outros investidores domésticos para avaliar o interesse em participar de uma plataforma alternativa dos negócio. A ideia, para acelerar o processo, é usar a licença operacional da Bolsa de Valores Bahia Sergipe e Alagoas (Bovesba) , que está apta a funcionar, apesar de não ter liquidez hoje. As conversas entre os investidores já se estendem há um ano e, inicialmente, tentaram abraçar a ideia de negociar o Brazilian Depositary Receipts (BDRs) não patrocinados - aqueles que não são lançados pela própria empresa-, que acabaram sendo lançados na própria BM&FBovespa.
O tamanho do mercado é uma grande incógnita para o surgimento de uma nova praça por aqui - a pergunta é se a liquidez seria suficiente para ser dividida entre duas bolsas. Um novo centro de negociação, possivelmente, seria usado por grandes agentes do mercado, para seus negócios no interbancário. Em termos de legislação, a Instrução 461 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), lançada meses antes da desmutualização das bolsas no país, permite a criação de novas bolsas. Os investidores já conversaram com a CVM sobre o assunto e perceberam que a autarquia vê com bons olhos a concorrência no setor. A CVM não concedeu entrevista.
O mercado brasileiro apenas segue um caminho internacional. Quando funcionavam como clubes, as bolsas mundo afora tinhas as corretoras como donas e, por isso, subsidiavam as atividades de seus intermediários. Quando passaram pela desmutualização e, em sua maioria, lançaram ações em bolsa, não só retiraram subsídios como passaram a cobrar por todo o tipo de serviço que oferecem, para apresentar resultados aos seus acionistas. A relação entre as bolsas e os intermediários se modificou, portanto. O que se seguiu à desmutualização foi uma onda de fusões e aquisições entre bolsas no mundo, transformando os negócios em monopólios.
O passo seguinte em mercados mais desenvolvidos - ponto em que o Brasil se encontra agora - foi a união dos bancos para lançar plataforma eletrônicas e forçar a diminuição dos custos de negociação. Surgiram também as chamadas "dark pools", redes de negociação eletrônica que casam comprador e vendedor anonimamente.
A Bats foi fundada em junho de 2005 e surgiu como uma opção, em particular para os negócios dos grandes bancos, por cobrar taxas menores do que as bolsas. O investimento principal do negócio é em tecnologia. Em seu site, a Bats exalta a qualidade dos serviços que presta a seus clientes e a política de preços agressiva para atraí-los.
Nos Estados Unidos, a Bats é hoje a terceira maior praça de negociação - atrás de Bolsa de Nova York e Nasdaq - e capturou 10% dos negócios com ações naquele país em apenas quatro anos. Na Europa, onde possui um escritório em Londres, a Bats já responde por 10% do que é negociado com o principal índice da bolsa londrina, o FTSE 100, e entre 5% a 6% de todo o mercado na Europa.
Em janeiro de 2008, o Deustche e o J.P. Morgan compraram participações minoritárias na Bats e se juntaram a um grupo de acionistas que inclui nomes como Citi, Credit Suissee Morgan Stanley. Na Europa, uma das plataformas alternativas mais conhecidas é a Turquoise, que nasceu de uma iniciativa de bancos de investimento globais, que desejavam evitar as altas taxas cobradas pelos bolsas europeias, em particular a LSE, praça londrina. Em novembro de 2006, sete bancos, que respondiam por 50% do volume negociado na Europa, informaram a intenção de criar uma bolsa própria. Em outubro de 2007, dois bancos franceses aderiram à ideia e a plataforma de negócios Turquoise foi lançada em setembro de 2008.
O momento seguinte do lançamentos dessas bolsa alternativas pelo mundo foi, novamente, de consolidação. Bolsas compraram plataformas e plataformas se fundiram, conforme dados compilados pela consultoria britânica Mundo Visione, que coleta e analisa dados das bolsas pelo mundo.
Herbie Skeete, diretor da Mondo Visione, diz que uma plataforma alternativa de negócios poderá ter sucesso no Brasil. Ele não descarta ainda a possibilidade de a própria BM&F Bovespa lançar uma espécie de "dark pool".
"A bolsa australiana lançou uma para inibir a entrada de novos 'players' no mercado local", diz, acrescentando que vários operadores mundiais devem estar atentos às possibilidades de negócios no Brasil, certos de que suas plataformas terão a mesma popularidade obtida nos Estados Unidos e Europa. (Colaboraram Carolina Mandl e Vanessa Adachi)
Fonte: Valor

Nenhum comentário:

Postar um comentário