A dona de casa Jandira Manuel, de 24 anos, escolheu a manhã de uma segunda-feira de novembro para fazer compras no supermercado Nosso Super, instalado no bairro do Gamek, em Luanda, capital de Angola. Enquanto escolhia os produtos, Jandira carregava Jorge, seu filho de 8 meses. Dentro da loja, o ar condicionado tornava distante o calor de mais de 30 graus. Do alto-falante, ecoavam hits da dupla sertaneja brasileira Zezé Di Camargo & Luciano. Essa cena prosaica é uma novidade em Angola, país que só nos últimos anos começou a se recuperar da guerra civil encerrada em 2002 que deixou um saldo de 1,2 milhão de mortos, 4 milhões de refugiados e minas espalhadas por um território de mais de 1 400 quilômetros quadrados. Antes da chegada de negócios como o Nosso Super, consumidores como Jandira abasteciam-se nas "zungueiras", como são chamadas as tradicionais negociantes de rua, que mantêm bacias e bancas improvisadas, ou nas bancas do famoso Roque Santeiro, um gigantesco mercado a céu aberto local, batizado em homenagem à novela brasileira dos anos 80. "Agora venho ao supermercado no mínimo uma vez por semana", diz Jandira. "É muito melhor do que comprar na rua."
O Nosso Super é a pioneira entre as redes de supermercados instaladas em Angola e, como tantos outros negócios, pertence ao governo socialista do país. Sua primeira unidade foi aberta em 2007 e, hoje, há 29 lojas da marca em operação. Erguido e administrado pela construtoraOdebrecht, o Nosso Super representa um dos inúmeros exemplos da presença brasileira em diversos setores da economia angolana. O país tenta se reerguer das ruínas deixadas pela guerra, importa quase tudo o que é consumido e tem dinheiro em caixa para pagar as contas graças à riqueza trazida pela extração do petróleo, que gerou um crescimento médio anual de 16,7% do PIB angolano entre 2004 e 2008. Era previsível, portanto, que empresários vissem em Angola, ex-colônia portuguesa que venera artistas e esportistas e reconhece as marcas brasileiras, uma oportunidade de fazer negócios. Entre 2000 e 2008, as exportações do Brasil para o país foram multiplicadas por 10. Em 2008, Angola transformou-se no principal parceiro comercial do Brasil na África. Hoje, há cerca de 100 empresas e 40 000 profissionais brasileiros atuando no país. A China, país com enorme interesse no potencial angolano na área de commodities, tem cerca de 20 companhias em operação e 25 000 profissionais em Angola. "Há oportunidades excelentes para vários setores", disse a EXAME o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, Miguel Jorge, que conduziu em novembro uma missão com 98 empresários para Angola.
A fase de grande impulso das relações comerciais entre as duas nações começou com a participação das empreiteiras brasileiras na reconstrução da infraestrutura angolana. AOdebrecht foi a primeira a chegar, em 1984, ainda em meio à guerra civil. Hoje, a empresa tem em andamento mais de 40 contratos com o governo local e é uma das maiores empregadoras do país, com uma equipe de 25 000 funcionários. Anos depois, Camargo Corrêa e OAS chegaram ao país. Com obras gigantescas, as construtoras atraíram uma cadeia de prestadores de serviços que vai de escritórios de advocacia a redes de comida rápida. Em 2005, a cadeia de fast food Bob's inaugurou na região da ilha de Luanda uma de suas maiores lojas no país, com 400 metros quadrados. A unidade conta com drive-thru e três salões de festas, que são procurados pelos angolanos para celebrar aniversários, batizados e até casamentos.
Para um país que tem de importar itens básicos, reconstruir a base agrícola é estratégico. Antes da guerra civil, Angola chegou a ser a terceira maior produtora de café do mundo e um dos principais exportadores da África de commodities como milho, açúcar e tabaco. Assim como em outros setores, o governo tenta atrair investidores para o campo a fim de garantir que o país se torne autossuficiente, no prazo de alguns anos, em itens básicos, como feijão e milho. Um dos maiores projetos é o da fazenda Pungo Andongo, com participação da Odebrecht. Trata-se de uma fazenda-modelo desenvolvida em uma área de 36 000 hectares na província de Malanje, ao norte do país, que produz milho, soja, feijão e arroz para atender à demanda interna.
Na concorrência com outros países que disputam os grandes projetos de Angola, o Brasil leva vantagem graças aos laços culturais. Além do idioma, brasileiros e angolanos dividem o gosto por novelas (exibidas ali pela Globo Internacional e pela Record Internacional) e a paixão por artistas como o cantor Roberto Carlos e por futebol. Politicamente, o Brasil é lembrado por ter sido o primeiro a reconhecer a independência angolana, em 1975. Nos anos recentes, o governo brasileiro tem atuado para aumentar o fluxo comercial com a África. Desde 2006, o BNDES destina recursos sob a forma de duas linhas de crédito que somam 1,75 bilhão de dólares para financiar a compra de equipamentos brasileiros para obras de infraestrutura em Angola. Para ampliar os negócios, uma terceira linha, de 500 milhões de dólares, foi liberada em outubro.
A recente crise financeira e, sobretudo, a queda nos preços do petróleo abalaram a economia angolana nos últimos meses -- prova da enorme dependência do país de um único recurso. Sobrou para as empresas brasileiras, fornecedoras do governo, que tiveram seus pagamentos atrasados. Em julho, o ministro das Finanças angolano, Severim de Morais, confirmou uma pendência total de 2 bilhões de dólares com as empresas de construção. "Não queremos deixar a dívida passar para 2010", afirmou. De acordo com o que EXAME apurou com as empresas do setor, uma parte do pagamento deve ocorrer até o fim de 2009, e a outra nos primeiros meses de 2010, quando as projeções indicam que a economia angolana deve retomar o ritmo de crescimento, com uma previsão de evolução do PIB acima de 8%.
O progresso dos últimos anos eliminou apenas parte dos problemas e das carências de Angola. Segundo a ONU, 70% dos angolanos vivem com menos de 2 dólares por dia. Luanda, com seus prédios em construção, ainda é uma cidade cheia de "musseques", as favelas locais. O passeio pelo moderno Belas Shopping de tempos em tempos é interrompido por blecaute. O grande déficit habitacional, calculado em 2 milhões de casas somente na capital, Luanda, faz com que o preço dos aluguéis e de venda dos imóveis cresça vertiginosamente. Os empresários estrangeiros que chegam ao país enfrentam problemas como a dificuldade para obter visto, o excesso de burocracia e a corrupção. No ranking mais recente sobre o assunto, elaborado pela ONG Transparência Internacional, Angola está entre os 20 países mais corruptos do mundo. O restabelecimento da democracia não deve acontecer tão cedo. Em setembro, o presidente José Eduardo dos Santos comemorou discretamente as três décadas de sua chegada ao poder. Dois meses depois, num discurso, afirmou que eleições presidenciais em Angola só ocorrerão em 2012.
Fonte: Portal exame
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