terça-feira, 24 de novembro de 2009

O verdadeiro Dr. Apocalipse

O investidor suíço Marc Faber prevê um colapso da economia americana nos próximos anos -- a má notícia é que ele já acertou antes.
Poucos economistas ficam à vontade com o rótulo de Doctor Doom, ou Doutor Apocalipse. O apelido, no entanto, é recorrente -- cada crise tem seu arauto do Juízo Final. Mas as crises passam, e ninguém quer ficar eternamente associado ao pessimismo. Mesmo o economista Nouriel Roubini, que se tornou uma celebridade ao prever que a crise imobiliária traria o caos ao sistema financeiro mundial, andou rejeitando a ideia. "Eu não sou o Doutor Apocalipse", disse ele recentemente. "Sou o Doutor Realista." Com o investidor suíço Marc Faber, porém, a coisa é diferente. Aos 63 anos, ele é um pessimista convicto e sem reservas. Seu influente relatório é intitulado GloomBoomDoom, e sua página na internet é ilustrada pelas caveiras da série de pinturas A Dança da Morte, de Kaspar Meglinger. Nas últimas décadas, Faber ficou famoso por fazer previsões apocalípticas em meio a períodos de euforia coletiva, acertando na mosca em alguns casos (ele recomendou a venda de ações uma semana antes do crash de 1987, por exemplo). Hoje, não é diferente. Apesar da retomada da economia americana no terceiro trimestre e da impressionante valorização das bolsas do mundo inteiro, Faber prevê um colapso para os próximos anos. Em entrevista a EXAME, ele afirma que a conjugação de juro quase zero com déficits fiscais recordes nos Estados Unidos criará uma bolha maior que a anterior, com efeitos ainda mais nocivos. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

As bolsas estão passando por um período de valorização impressionante, e a economia americana voltou a crescer. Não é hora de deixar o pessimismo de lado e comemorar?
Não vejo motivos para comemoração. Quanto mais o mercado acionário se valorizar, pior estará a economia. Pode parecer um paradoxo, mas é fácil explicar. Enquanto a economia americana estiver na situação precária em que está, o Federal Reserve (o banco central americano) vai manter o juro perto de zero e vai continuar imprimindo dinheiro. Vem sendo assim desde o ano passado. Mas esse excesso de dinheiro não está indo para a construção de novas fábricas. Está sendo usado para comprar ações, petróleo, ouro e outros ativos que se valorizam. Enquanto a situação não melhorar, essa política continuará.

O senhor não é o maior fã de Ben Bernanke, presidente do Fed. Mas muitos afirmam que ele salvou o mundo de uma nova Depressão. Qual é o problema com Bernanke?
O problema é que ele ajudou a criar a crise. É preciso olhar para todo o histórico de Alan Greenspan, seu antecessor, e Ben Bernanke, e perguntar de onde, afinal de contas, veio a crise do ano passado. E a resposta é simples. Esses dois senhores são os maiores responsáveis por inflar a bolha imobiliária para tirar a economia da crise de 2001. Eles mantiveram a taxa de juro artificialmente baixa entre 2001 e 2007. Se você perguntar em Wall Street, todos vão dizer que amam Bernanke e Greenspan. É claro! Para Wall Street, só importa se o mercado sobe.

O senhor escreveu recentemente que o sistema vai entrar em colapso nos próximos anos. Não está exagerando?
Nenhuma das causas da crise do último ano foi atacada pelo governo americano. Temos exatamente a mesma situação de 2001, quando os juros caíram para aquecer a economia depois dos atentados terroristas. A solução foi inflar uma bolha, e isso está sendo repetido agora. Mas há uma grande diferença entre as duas situações: a disparada na dívida do governo. O próprio Congresso americano prevê uma série de déficits orçamentários de 1 trilhão de dólares anuais na próxima década. Em cinco anos, 40% do orçamento americano será usado para pagar os juros da dívida. E, nesse ponto, a única coisa a fazer é dar calotes e imprimir dinheiro, criando inflação em larga escala. Essa é a essência do problema. Haverá um colapso do governo. Os Estados Unidos se transformarão numa república de bananas.

Melhor começar a estocar comida, então?
Haverá instabilidade social em consequência disso tudo. Há algo de podre no sistema. O contribuinte salvou os bancos, e agora os bancos estão tendo lucros recordes. Mas o desemprego continua aumentando e não vai diminuir tão cedo. A inflação vai crescer, corroendo o dinheiro dos americanos. Em alguma hora as pessoas vão acordar para isso.

Há alguma forma de evitar o apocalipse?
Para começar, o governo americano deveria assumir que existe um problema. Eles têm de avisar a população de que o país vai passar por pelo menos cinco anos dolorosos, de ajuste e cortes no orçamento. O padrão de vida, claro, cairia. Mas isso não vai acontecer. Os governantes americanos se acostumaram a não pedir sacrifícios aos eleitores. Em outros países, especialmente os asiáticos, é diferente. Mas não nos Estados Unidos. Finalmente, o Fed deveria admitir que a bolha imobiliária foi causada pelo excesso de crédito na economia. Mas também nesse aspecto não há razões para otimismo. Afinal, a máquina de imprimir dinheiro está funcionando a toda.

O dólar está perdido?
Quando eu olho para as ações do Fed, concluo que eles não têm o menor interesse num dólar forte. Pelo contrário. Paul Krugman (prêmio Nobel de Economia de 2008) disse recentemente que o dólar barato é bom, e acho que o Fed acredita nisso.

Como um investidor pode se proteger desse colapso?
Antes do colapso final, o governo vai inflar a bolha alucinadamente. Então, a última coisa que um investidor quer, nesse cenário, é ter títulos da dívida americana. Mas haverá muitas oportunidades para ganhar dinheiro até lá. Fui entrevistado em março e disse que o mercado acionário dispararia. Recomendei o investimento em commodities no início do ano. Se os governos continuarem imprimindo dinheiro nesse ritmo, o Dow Jones pode chegar a 2 milhões de pontos! Finalmente, é importante notar que os países emergentes estão em situação completamente distinta. É impressionante como China, Brasil e Vietnã, por exemplo, se desenvolveram nas últimas décadas. Esses países continuarão crescendo e são mais atraentes para os investidores do que os países ricos.

O senhor é considerado um investidor do contra há décadas. De onde vem tanto pessimismo?
Eu me habituei a recomendar a venda de coisas que estavam na moda e a compra de coisas que estavam fora de moda. É muito difícil encontrar opiniões assim em Wall Street, pois, se seu conselho demora para dar certo, você perde o emprego. Por isso todos os analistas seguem a manada. Mas encontrei muitos clientes dispostos a ouvir a opinião de alguém que vai contra a manada. Eles entendem, e isso é muito importante, que é impossível prever exatamente quando o mercado vai virar. O máximo que se pode fazer é entender o que está acontecendo e traçar cenários. Quando comecei a dizer que o mercado japonês ia derreter, em 1988, a euforia durou mais 18 meses. O mesmo aconteceu quando recomendei que as pessoas apostassem contra a Nasdaq, em 1999. A Nasdaq subiu mais 100% até 2000! Quando você é do contra, tem de se acostumar a ficar sozinho. Se todos começam a concordar com você, é melhor tomar cuidado.

Tudo bem, então, chamá-lo de Doutor Apocalipse?
Claro, não há problema algum.

Fonte: Portal Exame

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