quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O novo barão do café


Como o empresário potiguar Pedro Lima transformou a Santa Clara, uma pequena empresa sediada no Rio Grande do Norte, na maior companhia de café do país -- sem nunca ter plantado um único pé.
O empresário potiguar Pedro Alcântara Lima, de 45 anos, sempre sonhou em ser fazendeiro. Egresso de uma família humilde do interior do Rio Grande do Norte, ele queria distância da vida dura levada pelo pai, João Alves de Lima, um pequeno vendedor de café da região. Diariamente, Lima montava no lombo de um burro para vender os grãos aos cerca de 30 000 habitantes da cidade de São Miguel, a 520 quilômetros de Natal, onde a família morava. Até que, já na faculdade de agronomia, em meados dos anos 80, Pedro percebeu que o campo não era assim tão interessante -- e decidiu juntar-se ao pai no negócio de venda de café. Nascia assim a Santa Clara. Passadas duas décadas, a empresa fatura 1,3 bilhão de reais ao ano. Em julho de 2008 -- mesmo sem jamais ter plantado um único pé de café -- assumiu a liderança brasileira no setor, segundo dados da consultoria Latin Panel, com 19% de participação (o primeiro lugar na Região Nordeste veio alguns anos antes, em 2000). "Jamais imaginei que poderia construir uma empresa com essas dimensões", afirma Pedro Lima, presidente da Santa Clara. "Mas descobri que não tenho talento nenhum para a agricultura. Meu negócio é o comércio."

Em sua essência, a Santa Clara permanece a mesma empresa fundada pelo patriarca, Alves de Lima, na década de 50. Seu negócio consiste basicamente em comprar café de pequenos produtores em Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo para, então, revendê-lo processado em outros mercados. O que mudou foi a envergadura do negócio. Sob o comando de Pedro, a Santa Clara processa atualmente 116 000 toneladas de café por ano em suas quatro fábricas, o equivalente a 30 bilhões de xícaras -- volume 2 000 vezes maior que o comercializado três décadas atrás. Essa expansão deve-se ao desenvolvimento de uma gama de produtos -- e marcas -- diferentes. A Santa Clara administra cinco marcas de café, além do cappuccino e outros derivados. Essa estratégia de colocar valor numa commodity -- algo descoberto há muito tempo por empresas internacionais como a Nestlé -- foi um dos pontos que permitiram um crescimento de dois dígitos ao ano nesta década. Outro foi a sequência de aquisições empreendida por Lima -- foram quatro de 2003 para cá.

O dinheiro necessário para impulsionar o crescimento veio com a venda de 50% da Santa Clara para o grupo israelense Strauss-Elite, em dezembro de 2005. Embora a transação envolvesse um valor relativamente pequeno, de cerca de 60 milhões de dólares, garantiu para o portfólio da Santa Clara a mineira Três Corações -- hoje a marca mais importante da empresa. "Percebemos que havia um mercado imenso a ser explorado", diz Lima. "As empresas que vendiam café eram pouco profissionais e contavam com produtos de baixa qualidade. A operação com o Strauss nos deu uma marca forte para crescer fora do Nordeste."

Há três anos, a Santa Clara entrou no maior mercado do país, São Paulo. Diferentemente do que ocorre nos estados do Norte e do Nordeste, onde a empresa é quase hegemônica, o mercado paulista era (e ainda é) dominado pela americana Sara Lee, a maior concorrente da Santa Clara e dona de marcas como Pilão, Caboclo e Café do Ponto. Durante quase dois anos, Pedro Lima e outros executivos da empresa negociaram espaços nas gôndolas das principais redes de varejo na região -- mas os resultados iniciais foram pífios. "Os custos de exposição de produtos em supermercados de São Paulo são cinco vezes maiores que em outros estados", afirma o dono de uma rede varejista do interior. "Eles tinham pouco dinheiro e praticamente nenhuma marca forte para negociar." Como medida para reduzir os custos, Lima terceirizou a operação logística e diminuiu em dois terços o número de vendedores em São Paulo. Para tornar os produtos mais conhecidos, investiu na divulgação da marca Três Corações. Em meados de 2007, encomendou à agência de publicidade Ogilvy uma campanha de TV voltada exclusivamente para São Paulo. O primeiro filme criado pela agência, com uma sequência de imagens de arquivo, foi veementemente rechaçado por Lima. "O tiro tinha de ser certeiro. Não dava para ser nada morno", diz ele. Duas semanas depois, a Ogilvy conseguiu sua aprovação e colocou no ar uma campanha ao som do clássico Carinhoso, de Pixinguinha. Hoje, a Santa Clara detém 14% de participação no mercado paulista.

O estilo da Santa Clara é o estilo de seu presidente. Filho do meio de uma família de cinco irmãos, ele decidiu abandonar a faculdade de agronomia em 1985, quando tinha apenas 21 anos, para assumir o então cambaleante negócio do pai. Seu plano de expansão incluiu a construção de duas fábricas de processamento de café, em 1990 e 1998, e 23 centros de distribuição espalhados pelo país. Foi dele, também, a ideia de batizar a companhia de Santa Clara, em substituição ao anterior Nossa Senhora de Fátima, nome criado pelo pai. Na época também limou um antigo hábito do patriarca, o de vender fiado para a clientela. "Meu pai não levava jeito para gerir a empresa de forma profissional", diz Lima. Sua rotina é quase militar. Acorda diariamente às 4 horas da manhã para fazer alongamento, corre 15 quilômetros e aproveita os intervalos no trabalho para se dedicar às aulas de inglês, indispensável na hora de lidar com os sócios israelenses. "Evito participar de jantares de negócios. Preciso dormir cedo", diz.

No processo de transformar a Santa Clara numa grande empresa, Pedro arrastou seus dois irmãos, Paulo e Vicente. Assim como ele, ambos largaram os estudos quando tinham 20 e 18 anos, respectivamente, para se dedicar em tempo integral à expansão da companhia. A Paulo coube a tarefa de abrir novos mercados pelo interior do país. Dirigindo o velho caminhão da família, ele visitava cerca de 40 cidadezinhas por semana num raio de aproximadamente 1 100 quilômetros a partir de Natal. "Era comum ter de voltar à mesma loja várias vezes até conseguir uma boa negociação", afirma Paulo, hoje diretor comercial da Santa Clara. O caçula, Vicente, ficou encarregado de garantir a qualidade dos produtos e desde 1996 ocupa o cargo de diretor de insumos e exportações. Uma de suas tarefas era participar das colheitas em algumas fazendas de café para se certificar da procedência dos grãos. Por causa desse controle, quase 15% dos 170 fornecedores foram substituídos nos últimos 15 anos.

Passada a fase mais crítica do processo de expansão, Pedro tem pela frente dois desafios. O primeiro está relacionado à reorganização da lista de produtos da empresa. A sequência de aquisições dos últimos três anos deixou a Santa Clara com 27 tipos de café, em muitos casos competindo pelo mesmo mercado. Para tentar acabar com essa sobreposição, Lima contratou uma empresa especializada em reposicionamento de marcas -- a Thymus, de São Paulo. Passado um ano e meio desde o início do processo, porém, definiu-se que apenas a marca Três Corações terá abrangência nacional. "Trata-se de um trabalho minucioso", diz. "Qualquer passo errado pode nos tirar desse mercado." Seu segundo desafio está ligado ao aumento da concorrência, sobretudo por parte da americana Sara Lee. A empresa vem se desfazendo de negócios considerados não estratégicos nos Estados Unidos para investir nas áreas de alimentos e bebidas em países emergentes. Como parte de uma estratégia defensiva, a Santa Clara adquiriu recentemente duas marcas de refresco em pó da Unilever, por um valor estimado de 30 milhões de reais. "Precisamos reforçar nossa atuação", diz Lima. "De agora em diante, o jogo vai ficar mais difícil."

Fonte: Portal Exame

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