quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O conquistador espanhol

O empresário Enrique Bañuelos viveu uma infância miserável, tornou-se um dos 100 homens mais ricos do mundo e viu seu império desmoronar na Europa. Agora, tenta reconstruir a fortuna num dos mais pujantes mercados imobiliários do mundo -- o do Brasil.

Há um ano, o setor imobiliário brasileiro estava envolto em incertezas. Depois de um período de crescimento exuberante, as empresas -- grandes e pequenas -- se viram diante de uma crise que prometia mudar a cara do mercado para pior e que parecia ter potencial para varrer do mapa companhias enfraquecidas financeiramente. Empreendimentos eram cancelados, demissões ocorriam às centenas, bancos restringiam ao máximo a concessão de crédito. As projeções de especialistas eram sombrias. Perdida em meio aos índices e atarantada com o que acontecia no mundo, a maioria deles previa um período de seca longo e severo. Foi nessa hora de medo que o mercado imobiliário se viu diante de um novo e enigmático personagem. O espanhol Enrique Bañuelos de Castro, investidor tão rico quanto polêmico, chegou ao Brasil no final de 2008 com o objetivo de comprar empresas e criar uma incorporadora capaz de concorrer com potências como a Cyrela, de Elie Horn, e a Gafisa, que tem entre seus acionistas o investidor americano Sam Zell. Nascido em Sagunto, cidadezinha costeira de 60 000 habitantes localizada na região de Valência, 43 anos, cerca de 1,70 metro de altura, discurso sedutor e olhar determinado, Bañuelos desembarcou em São Paulo com uma fortuna pessoal de cerca de 2 bilhões de dólares -- e a incômoda fama de ter sido o protagonista do processo de criação e destruição de uma bolha que derrubou o mercado imobiliário espanhol em 2007. "Quando ele chegou, fiquei apreensivo, como a maioria das pessoas do setor", diz Sérgio Carettoni, sócio da paulista GAS Investimentos, que tem participações minoritárias em diversas incorporadoras brasileiras.

Quase um ano se passou e a crise fez estragos muito menores do que os previstos pelos analistas. O mercado imobiliário brasileiro continuou a ser um dos mais pujantes do mundo -- e hoje os analistas recomendam com ênfase as ações das empresas do setor. Bañuelos, porém, soube aproveitar melhor do que ninguém o período de medo. Nos últimos meses, sua empresa, a Veremonte Participações, investiu cerca de 500 milhões de reais em quatro aquisições. Em dezembro de 2008, comprou uma participação de 7% na Agra, incorporadora paulista controlada pelo empresário Luiz Roberto Silveira Pinto. Na sequência, adquiriu o controle da Abyara e da Klabin Segall, companhias de médio porte que enfrentavam problemas de caixa e estavam à beira de um colapso. Em setembro, Bañuelos e Silveira Pinto adquiriram os 20% de participação que Elie Horn, dono da Cyrela, possuía na Agra. Finalmente, há poucas semanas, Bañuelos reuniu todas essas companhias sob um novo nome -- Agre, que nasce como a quinta maior empresa de um setor gigantesco, que movimenta 180 bilhões de reais ao ano e é responsável por 6,2% do PIB brasileiro. A expectativa das incorporadoras e imobiliárias é que a maior oferta de crédito, a retomada do consumo pelas classes A e B e o impulso do programa de habitação popular Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, deem início a um dos períodos mais prósperos da história do setor e transformem o mercado brasileiro num dos maiores campos de oportunidades do mundo nos próximos anos. "Em 2010, o volume de lançamentos deve chegar perto do que foi em 2007 e 2008, quando as vendas foram muito fortes", diz Cristiane Amaral, sócia da consultoria Ernst&Young responsável pela área de construção civil.

Em entrevista exclusiva a EXAME -- a primeira a uma publicação brasileira --, Bañuelos diz que sua investida no setor imobiliário é só o começo. "O Brasil é o grande país emergente do momento", diz. "Para quem quer fazer negócios, está à frente, inclusive, da China." Sob muitos aspectos, o espanhol Bañuelos é a personificação do investidor estrangeiro que começa a descobrir o país como um lugar para colocar dinheiro e fazer negócios. Como recentemente afirmou Marcelo Telles, um dos controladores da cervejaria AB InBev: "Nunca vi tanto entusiasmo em relação ao Brasil". No ano passado, os investimentos estrangeiros diretos (aqueles dirigidos ao setor produtivo) somaram 45 bilhões de dólares, volume 350% maior do que os 10 bilhões de dólares investidos em 2003. Bañuelos também afirma que o setor imobiliário deve ser o primeiro de uma série de outros que receberão dinheiro da Veremonte. Ele acaba de fechar duas parcerias que vão transformá-lo no maior empresário do setor hoteleiro do Brasil. Uma delas é com a francesa Accor. "Juntos, vamos investir 480 milhões de reais na construção de 4 880 quartos de hotéis populares", afirma Bañuelos. "A administração ficará com a Accor." Os hotéis econômicos devem ficar prontos em três anos e serão erguidos em cidades interioranas e em pequenas capitais. Bañuelos pretende, assim, ganhar com o crescimento regional de um país no qual a atividade econômica ainda se concentra no eixo Rio-São Paulo, mas começa a emergir no interior. A outra parceria é com a família real dos Emirados Árabes, controladora da rede de hotéis Jumeirah, dona, entre outros, do Burj Al Arab, cartão-postal de Dubai. Bañuelos construirá, em parceria com os xeiques, 1 000 quartos de hotéis de luxo. Os empreendimentos -- hotéis de cinco e seis estrelas -- serão erguidos no Rio de Janeiro. Bañuelos, nesse caso, enxerga as oportunidades da Copa do Mundo e da Olimpíada de 2016. Entre seus alvos de aquisição no setor imobiliário está também o complexo hoteleiro da Costa do Sauípe, na Bahia. O negócio quase foi fechado no ano passado. (Além de aumentar sua atuação no setor de imóvel, o Costa do Sauípe o ajudaria a entrar na área de turismo. Outro alvo, nesse setor, seria a CVC, maior operadora do país.)

Filho de um operário de uma companhia siderúrgica que morreu quando ele tinha 9 anos de idade e de uma dona de casa, Bañuelos é descrito por seus amigos como um homem ambicioso. E como um megalômano por seus críticos e inimigos. "Ele pensa grande, fala como se fazer negócios milionários fosse fácil", diz um empresário do setor imobiliário, com faturamento de mais de 1 bilhão de reais por ano e que recentemente foi procurado pelo espanhol. "Sua postura assusta." Bañuelos, de fato, é profícuo ao perfilar seus planos de investimento. Envolve seus interlocutores com discursos cheios de entusiasmo e planos ambiciosos. O setor imobiliário seria apenas um entre seus vários investimentos no Brasil. Segundo ele, em 2010 a Veremonte investirá 2 bilhões de reais em negócios ligados às áreas de saúde, energia, infraestrutura, shopping centers, meio ambiente, alimentação e financiamento imobiliário. O dinheiro não virá todo de sua fortuna pessoal, diz Bañuelos. Boa parte dos recursos aplicados será de fundos de investimento americanos, europeus, árabes e chineses -- ele não revela os nomes. Sua investida em vários setores -- não por acaso, todos apontados como de grande potencial de crescimento nos próximos anos -- pode ser tachada de falta de foco ou de arrivismo. Para Bañuelos, porém, é pura estratégia. "Sempre começo as atividades em um país pelo setor imobiliário", afirma. "Depois, parto para outros setores." Foi assim que ele fez na Espanha, onde, depois de criar a Astroc, sua incorporadora imobiliária, investiu na companhia energética Union Fenosa, no banco Sabadell e na companhia de táxi aéreo Rentalia. Agora, repete o roteiro no Brasil, em países do Leste Europeu, no Oriente Médio e na China.

Desde que deixou a Espanha, em 2007, Bañuelos decidiu aliar-se a parceiros locais e ficar fora da gestão das companhias nas quais investe. Ele também não participa dos conselhos de administração. Para diversos executivos ouvidos por EXAME, essa seria a forma de evitar que sua imagem de empresário polêmico -- adquirida após o rompimento da bolha imobiliária espanhola -- contamine os negócios no Brasil. "Muitas empresas e bancos não querem fazer negócios com ele por desconfiança", diz um executivo de uma grande incorporadora. Para os espanhóis, Bañuelos passou rapidamente de um fenômeno de mobilidade social e empreendedorismo a personagem vital da atual crise financeira. Em 2006, a Astroc, especializada em imóveis de veraneio na costa de Valência, havia se tornado uma das maiores incorporadoras do país. Na época, sua especialidade era comprar terrenos em áreas rurais que, mais tarde, eram transformadas em regiões urbanas. Com a farra mundial de crédito, espanhóis, ingleses e nórdicos passaram a comprar sua segunda casa na região. A Astroc explodiu. No início de 2006, Bañuelos abriu o capital da companhia com o projeto de transformá-la num negócio nacional. No IPO, 25% das ações ofertadas foram compradas por grandes investidores institucionais, como o empresário espanhol Amâncio Ortega, dono da rede varejista Zara. Lançadas a 9 dólares, as ações atingiram 98 dólares menos de nove meses depois. A procura motivou a Astroc a fazer uma nova oferta, mantendo 51% do capital. Bañuelos foi alçado à posição de terceiro homem mais rico da Espanha e 95o homem mais rico do mundo, com uma fortuna de 7,7 bilhões de dólares, segundo a revista americana Forbes. Em 2006, ao inaugurar sua fundação voltada para projetos sociais e artísticos em Nova York, ofereceu uma paella a 28 000 pessoas convidadas ou que passavam pelo Central Park.

O sonho começaria a ruir em março de 2007, quando as ações da Astroc se tornaram alvo de forte especulação e começaram a despencar. Um mês depois, valiam 4 dólares, obrigando Bañuelos a deixar o comando da empresa. No dia seguinte à sua saída, os papéis valorizaram 39%. Com a queda, o empresário tornou-se uma espécie de inimigo público no país. O advogado Felipe Izquierdo entrou com uma ação na Justiça espanhola acusando Bañuelos de fraude em balanços e de fazer transações com partes relacionadas para valorizar as ações da Astroc. Izquierdo representaria 50 investidores (ele não revela os nomes) e calcula ter perdido 20 000 euros com as ações da Astroc. O processo foi arquivado, reaberto e até hoje não foi julgado. Atualmente, Bañuelos tem menos de 5% das ações da Afirma, empresa que sucedeu a Astroc, e vendeu sua participação de 4% no banco Sabadell. Ele põe na conta do conservadorismo espanhol os ataques sofridos desde o estouro da bolha. Para Bañuelos, a alta sociedade do país nunca teria visto com bons olhos o filho de um operário, sem nenhuma tradição, se tornar um dos homens mais ricos do mundo.

Apesar de sua distância do dia a dia das empresas, seria um erro tratar Bañuelos como mero investidor institucional. É ele quem define a estratégia e o plano de crescimento de suas companhias. Depois, entrega a execução às pessoas que escolheu. No Brasil, Bañuelos elegeu dois homens de confiança. Um deles é Marcelo Parachinni, ex-vice-presidente do banco Santander na Espanha e principal executivo da Veremonte. É ele quem busca novos negócios para que o espanhol invista. O outro é Silveira Pinto, seu sócio na Agre. Fundador da Agra, ele é considerado pelo setor um dos grandes gestores de incorporadoras no país. Sua credibilidade com os bancos também foi decisiva na escolha da parceria. Coube a Silveira Pinto acertar a compra da Abyara e da Klabin Segall e renegociar suas dívidas, de mais de 1,2 bilhão de reais, com os bancos. A compra das duas incorporadoras revelou a forma arrojada como Bañuelos e seus enviados fazem negócios. Não houve processos de auditoria em nenhuma das companhias. A situação de caixa de ambas era crítica e foi necessária uma ação rápida. "Eles assumiram o risco e aproveitaram um momento de preços muito baixos para comprar duas empresas boas que enfrentavam problemas", diz Eduardo Silveira, analista de construção civil do Banco Fator.

A derrocada cinematográfica em seu país natal, a Espanha, representou para Bañuelos não apenas uma mudança em sua estratégia de negócios como também afetou profundamente sua vida pessoal. A sede da Veremonte passou a ser Londres. É de lá que o jato executivo Gulfstream 550 da Rentalia decola para levá-lo a diversos pontos do mundo. Seu destino mais frequente é o Brasil, onde já passou 160 dias deste ano. Até o final de outubro, Bañuelos costumava se hospedar em hotéis paulistanos durante as visitas ao país. Há poucas semanas, mudou-se para uma cobertura na Vila Nova Conceição, bairro nobre ao lado do Parque Ibirapuera (adepto de meias maratonas, o empresário corre no parque vizinho sempre que pode). Seu lazer quando está no país se resume a passeios a pé pelas ruas de São Paulo. "Gosto de andar e não sei dirigir. Então caminho muito." Sua família continua morando em Valência. A mulher trabalha para o governo como fiscal de renda. As filhas, de 9 e 11 anos de idade, estudam em uma escola comum, têm aulas particulares de mandarim e uma vida tão comum quanto garotas bilionárias podem ter. "Quero que elas cresçam como crianças normais", diz Bañuelos. Para matar a saudade, o empresário fala com as meninas duas vezes por dia por videoconferência. Nos fins de semana, ele voa para Valência ou a família se desloca para Londres. O estilo de vida confortável que Bañuelos pode oferecer às filhas contrasta com sua infância difícil. Após a morte do pai, vítima de um acidente de trabalho, ele, a mãe e a irmã passaram por dificuldades financeiras. A empresa onde o pai trabalhara pagou seus estudos, mas não havia renda suficiente para as demais necessidades da família. "Muitas vezes a comida acabava antes de o mês terminar", diz ele. Aos 16 anos, juntamente com três amigos, ele abriu seu primeiro negócio, a Miel de Luna, uma pequena fabricante de mel. Aos 19, criou uma imobiliária. Uma década depois, sua empresa já tinha um tamanho respeitável. Começa, assim, sua vida de investidor no mercado de imóveis. Em 2005, sua empresa valia 1 bilhão de dólares.

Bañuelos venceu a miséria, sobreviveu, embora chamuscado, ao colapso no mercado espanhol e agora, aos 43 anos de idade, tenta repetir seu período de fausto no Brasil. "Aos poucos ele foi mostrando seus planos, investindo dinheiro próprio e vencendo a desconfiança", diz Sérgio Carettoni, acionista minoritário da Agre. Mas o próprio Bañuelos sabe que, para afastar as nuvens que o cercam, ele precisará fazer de seus planos negócios reais.

Fonte: Portal Exame

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